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segunda-feira, 22 de abril de 2013

Linda, inteligente, independente e apanhava do marido



Miss G, paulistana de 32 anos, apanhava do marido e não conseguia sair da relação. Veja aqui como ela superou a situação e como este assunto pode atingir qualquer uma de nós!

Não, violência doméstica não acontece apenas com mulheres fracas, humildes ou dependentes de maridos que vivem entornando pinga em boteco. Violência doméstica também acontece com gente fina, bem-educada, analisada... Ou seja, pode rolar com sua amiga, irmã, com você mesma. Aconteceu com ela. Aqui, Miss G, uma paulistana de 32 anos que prefere não se identificar, dá a cara a tapa. “Eu poderia acabar com aquilo, mas não queria. Apanhar é tão humilhante que cega” 
 
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Violência doméstica (Foto: Shutterstock)

Neste último Réveillon, quando me desejavam a frase pronta “paz, amor, prosperidade”, eu tinha vontade de falar para ficarem com a prosperidade e com o amor para ver se a paz vinha reforçada. Tinha sido o primeiro ano de muitos sem apanhar, e, como um vira-lata resgatado que passa o resto da vida lambendo a mão do novo dono, eu ainda estava em processo de agradecer aos céus pelas circunstâncias, me sentindo um pouco não merecedora, pequena, assustada – e principalmente com medo de que, de uma hora para outra, tudo voltasse a ser o inferno que era.

Começou como imagino que comece a maioria dos casos de violência doméstica: catapultado por um coquetel power de álcool, insegurança e ciúme. Ele saiu me arrastando pelos cabelos de uma festa, meus pés quase sem encostar no chão, por causa da investida não solicitada de um amigo igualmente embriagado. Me lembro de estar no carro, voltando para casa, e pensando no quanto queria o colo dos meus pais. Mas estava de casamento marcado e achava que cancelar seria uma decepção que eles não mereciam. Então foquei em consertar o meu futuro marido.
 
Em vão, é claro. Seguindo o mais absoluto estereótipo das novelas, filmes e afins, os momentos violentos eram sempre camuflados pelos de fofurice extrema que vinham na sequência. Ele falava para os amigos que eu era a mulher mais linda do mundo, mas ia para casa e me chamava de gorda nojenta. Eu parava de comer, emagrecia os 5 quilos que precisava, e o ciúme aumentava descontroladamente. “Você tem que estar bem para mim, e eu odeio mulher raquítica, que não tem onde pegar”, ele vivia dizendo nos meus momentos mais magros. Eu relaxava um mês na academia e ouvia: “É bom você nunca se separar de mim porque ninguém vai te querer, Free Willy”. Free Willy? eu pesava 54 quilos!

O mais louco de sofrer bullying é que você pode ter uma autoestima maravilhosa, escutar elogios frequentes dos seus amigos, mas chega uma hora que você acaba acreditando. Ele era tão mais fraco em todos os sentidos que precisava acabar comigo para se sentir mais homem. Quando ele percebia minha vulnerabilidade, me acolhia, cuidava da asa que tinha quebrado... E era dessa parte que eu, tonta, me lembrava no dia seguinte. Fui mimada,
bajulada, muito amada e protegida pelos meus pais. Como qualquer menininha, tinha sonhos de princesa, de casamento rega-bofe com sapatinho de cristal e de “viveram felizes para sempre”. Onde tinha desandado? Em que etapa do processo trocaram o príncipe encantado pelo vilão?

Ele era tão mais fraco em todos os sentidos que precisava acabar comigo para se sentir mais homem. Quando percebia minha vulnerabilidade, me acolhia. E era só disso que eu me lembrava no dia seguinte (Foto: Shutterstock)
Com uns cinco anos de casada minha vida tinha virado um verdadeiro manicômio. Uma costela quebrada por um chute virava queda de cavalo, um osso da face trincado quando ele resolvia usar minha cabeça de bola de boliche na parede era um “não posso sair hoje, tomei todas e caí na escada, acredita?”. Nariz sangrando? Tempo seco em São Paulo. Hematomas? Carência vitamínica. Viramos mestres na arte de inventar desculpa para
preservar a relação bizarra que a gente tinha. Naquela época passava comercial falando da lei Maria da Penha (sancionada em 2006, aumenta o rigor da punição em casos de violência doméstica) o tempo todo na TV. Eram mulheres contando a minha história. Ele abaixava a cabeça, mexia nas pilhas do controle, trocava o canal. Ficava um climão tão tenso que dava para cortar o ar com uma faca. Eu fazia cara de choro na esperança de ele perceber. Ele saía, comprava um chocolate e jogava no meu colo. Eu comia lembrando os elogios de baleia e as comparações com as mulheres altas e magras dos amigos dele.

++ Quer ler mais? Violência doméstica: já aconteceu com você?  
 
Veja bem, eu poderia ter caído fora a qualquer momento. Mas eu não queria. A gente sempre acha que não quer porque ficamos completamente cegas na humilhação de um tapa. Joga luz no que temos de mais sombrio, extravaza coisas do passado que você não sabia que existiam, que aconteceram muito antes de o canalha começar a participação especial na sua vida. Eu tinha sido uma adolescente muito difícil, então, numa loucura inconsciente, achava que a agressão do meu marido era uma punição por isso e aceitava. Cada tapa aturado silenciosamente era um pedido de desculpas para a minha mãe. Quando o olho dele virava, eu saía correndo para o quarto para trancar a porta e gritava "meu pai vai te matar, minha mãe vai te pôr na cadeia!”. Ele ria porque sabia que eu não teria coragem.

Eu sabia que, se anunciasse para minha família o submundo em que vivia, nunca mais olharia para a cara dele, fato que me dava alívio e me apavorava na mesma medida. Preferia brigar com alguém a ficar sofrendo sozinha. Quem vê de fora simplesmente não entende, assim como eu não entendia. Um homem te quebra a cara, você se separa e vai na delegacia, né? hahaha. Aquele homem era a família que eu tinha escolhido. Era um pai maravilhoso para os meus filhos, a pessoa que me possibilitava brincar de Amélia, que testava minhas experiências culinárias e para quem comprava coisas de homem em viagens.

Confira os resultados da pesquisa realizada pela Glamour (Foto: Revista Glamour)


Toda vez que eu cogitava me separar, pensava que eu era uma egoísta só de imaginar isso. Não tinha direito de criar meus filhos em uma família quebrada só porque eu não estava feliz. Não queria ser a mãe solteira na Disney. Queria foto de todo mundo com camisetas iguais tomando café com os personagens. Nós quatro com braços levantados e boca aberta na foto da montanha russa. Nós quatro atrás da mesa do bolo nos aniversários. Situações que parecem bobas para as milhares de mães solteiras bem-resolvidas que existem por aí.

Mas quando você não quer se separar porque acha que a vida vai ser perfeita assim que conseguir corrigir só essa coisinha nele, mas ao mesmo tempo sabe que num erro de cálculo de força ou de quantidade de pinga pode te fazer perder a vida (que dirá ter vida perfeita...), aí fica puxado. Há uns dias espiei um momento no quarto das minhas filhas enquanto brincavam de princesa. A mais velha explicava para a caçula, que a empurrou: “Mãozinhas foram feitas para fazer carinho, não para bater”. Sábias palavras.

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Eu achava que, se ele estava fazendo coisas que não fazia antes, era porque não estava feliz. E minha obrigação de esposa era corrigir isso. Achava que, se levasse adiante alguma acusação, a coisa degringolaria de vez. Até que eu descobri, na hora de tirar um passaporte, que ele tinha registrado um boletim de ocorrência contra mim. Ao chegar em casa, eu só disse, devastada por dentro: Você não teve vergonha de sentar na frente de um delegado, com seu 1,85m, e falar que sua mulherzinha de 1,60 te deu uma unhada na cara? Jura que você não teve vergonha? Jura que ele não riu?”. (GRIFO NOSSO)
 
glamour (Foto: Revista Glamour)


Aos poucos, bem aos pouquinhos, o amor foi acabando. Eu não levo muito jeito para ser vítima, e todo esse lifestyle UFC estava pesando no meu bom humor. Não dá para passar o dia sorrindo sem dentes na boca, então resolvi preservar os meus enquanto ainda os tinha. Estou solteira desde que me separei, há um ano, e não consigo me imaginar com alguém tão cedo. Ao contrário do que o meu ex falava, descobri que alguns homens me querem, sim, o que bastou para recuperar um pouco da autoestima que ele me roubou. A ferida do coração cicatrizou, e a cicatriz formou uma barreira. Não sinto mais dor, nem física nem emocional, o que às vezes me faz sentir anestesiada de tudo. Não sinto e ponto. Fiquei com um misto de preguiça e medo de homens. Eu ainda escuto a voz dele gritando insultos na minha cabeça sempre que bate uma insegurança. Quando isso acontece, repito para mim mesma que era uma manifestação da fraqueza dele, e não uma realidade minha.

Também não cabe a mim perdoar – nem a ele, nem a mim mesma por ter me obrigado a viver esse inferno. Vivi tudo isso porque tive que viver, porque foi o que pareceu certo naquele momento. Violência realmente é o último refúgio dos incompetentes. Sei que mais dia menos dia vou me sentir melhor. Amar dói, mas sou mulher. E nós mulheres somos fortes. Usar salto alto também dói e não é por isso que a gente vai viver de rasteirinha, não é mesmo? 

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